Contam que Bram Stoker sonhou seu “Drácula”, teria ocorrido o mesmo com Mary Shelley e seu “Frankenstein”. Também Louis Stevenson com o “Jekill e Hyde”, e inclusive Paul McCartney e seu “Yesterday”. E apesar de todas as reflexões, teorias e experimentos sobre uma questão que tem fascinado os humanos desde sempre, a resposta curta à pergunta “Por que sonhamos?” hoje continua sendo a mesma de ontem: não sabemos.
É verdade que eliminamos algumas hipóteses. Em pleno século, ao contrário da Antiguidade, quase ninguém acredita que os sonhos tenham um caráter sobrenatural. Mas, curiosamente, apesar de toda a ciência acumulada, restam algumas crendices. Um estudo científico verificou que muitas pessoas cancelariam o voo se na noite anterior sonhassem com um avião caindo. A visão profética dos sonhos ainda persevera.
Muitos acadêmicos ainda preservam a tese de Sigmund Freud foi o precursor da tentativa científica de explicar os sonhos. Em seu “A interpretação dos sonhos”, de 1899, um best-seller, que levou gerações de curiosos e estudiosos a acreditar que “os sonhos são manifestações de desejos do subconsciente”. Se são manifestações de desejos, ninguém sabem até o presente, mas essa ideia não é de Freud e sim Aristóteles e de Platão.

Os sonhos aparecem na fase REM.

Ao mesmo tempo que Freud recuperava essa teoria da Antiguidade grega, existia outra corrente – integrada por autores médicos – que buscavam uma interpretação dos sonhos mais biológica que psicológica. Nos anos 50, descobriram que os sonhos pareciam estar vinculados a uma fase caracterizada por uma grande atividade cerebral e movimentos oculares rápidos (MOR ou REM, em inglês). O avanço da neurociências permitiu abordar os sonhos desde um prisma mais orgânico. Em 1977, Harvard propôs uma teoria neurobiológica dos sonhos chamada “hipótese de ativação-síntese”. Descreveram os sonhos como uma consequência da ativação espontânea da fase REM de uma região primitiva do cérebro: o tronco encefálico. Quando o córtex cerebral, onde reside o pensamento superior, recebe essa espécie de ruído neuronal aleatório, trata de convertê-lo em algo que tenha sentido. Isso é feito tirando imagens e experiências de nosso arquivo pessoal. Nesse processo de “síntese”, quando aparece a narrativa do sonho, o conto de uma história qualquer, nossa mente pode embaralhar as imagens e experiências e os resultados podem ser aberrantes.
Mas o modelo de Harvard não deu solução eficaz aos sonhos. Descobertas posteriores acrescentaram novos dados que dificultaram o encaixe de todas as peças. Hoje, sabemos que outros mamíferos, aves e répteis compartem conosco a fase REM. Também sabemos que nossos sonhos não estão confinados exclusivamente a essa etapa. Outra descoberta recente é a de que raramente os sonhos são surrealistas. A Universidade da Califórnia, chegou à conclusão, após cinco décadas de estudos contínuos, que o nosso mundo dos sonhos se parece mais à vida cotidiana do que ao País das Maravilhas de Alice. E mais, os sonhos guardam certa regularidade e coerência, inclusive com nossos pensamentos durante o dia que o antecede.

Centro de Estudos da Mente Inconsciente

Os sonhos consolidam a memória.

Uma das mais recentes descobertas científicas é a de que sonhos cumprem papel importante na consolidação de nossa memória. Eles transferem tudo que aprendemos durante o dia do hipocampo para o córtex cerebral e os relaciona com nosso catálogo de emoções. Essas ideias estão em sintonia com a proposta de que os sonhos podem ter uma função biológica adaptativa. Anteriormente, imaginavam que a capacidade de sonhar estava ligada a um mecanismo de higiene psicológico – fazia a faxina do cérebro – necessária para manter nossa mente com saúde. Mas esse último esquema caiu por terra quando descobriram que existem pessoas que nunca sonharam e nem sonharão, além do fato de que os sonhos são aparecerão de forma completa e complexa à partir do final da infância.
Afinal, os sonhos têm uma função ou não têm? Têm algum significado ou não? A resposta mais atualizada é a destruição, completa ou parcial, de todas as teorias anteriormente elencadas. É bem provável que não tenha função biológica. Não escondem mensagens intencionadas de nosso inconsciente, como Freud, Aristóteles e Platão defendiam. Tampouco são como o ruído de um disparo ao acaso, um ruído cerebral aleatório.
A novíssima teoria está lincada ao mundo da informática. Os sonhos seriam uma espécie de atualização noturna do cérebro, quando a entrada de informação do exterior é mínima.
Em suma, o sonho é algo inexplicável. Cada geração têm a teoria em voga que lhe é concernente, a moda de cada época ou do autor.

Centro de Estudos da Mente Inconsciente

https://www.campograndenews.com.br/colunistas/em-pauta/para-que-servem-os-sonhos